Era um mundo pálido e em decaimento

Eu não sou mais uma criança. 

A criança que esperava o retorno de seu pai à família; a chegada de seu carro do lado de fora, por horas e horas em vão; ele nunca retornaria. O carro nunca chegaria. 

Queria que alguém tivesse tido a coragem de conversar comigo com verdade sobre sua partida definitiva. Eu teria tido, pelo menos, uma chance de entender a realidade das coisas.

O resultado foi simples: aprendi a confiar em desejos ilusórios. Se eu desejasse e quisesse forte o suficiente aconteceria...
mas é claro
 que 


nunca 
aconteceu.



Isso me fez uma criança criativa, não posso mentir. Me tornei alguém com dificuldade de encarar a realidade como ela é...

ardendo na fantasia e 
morrendo 
nas 
desilusões. 


Me apertaria em pequenos buracos pra caber e fazer parte e isso me traria a errônea sensação de pertencimento; meu subconsciente interpretava meus desenrolares como a iminente volta do meu pai. Se eu me torcer aqui, me quebrar ali, e couber acolá, meu pai volta.

Eram apenas homens estranhos
desconhecidos

eu apenas um homem quebrado
retorcido

E no mundo real...

...até muito recentemente

Eu talvez fosse aquele garotinho chorando no sofá, ao lado de sua mãe, esperando alguém voltar. O garotinho que veria - com olhos turvos e cheios de lágrimas - qualquer sinal de interesse ou amor na sua frente como a volta do pai. Com água embaçando a visão ele não podia ver que eram, na imensa maioria das vezes, apenas homens estranhos: desconhecidos.

De algum jeito suas lágrimas rolaram ao piscar e ele pôde ver a verdade: seu pai havia ido embora há muito tempo, junto com as noções daquele mundo que ele ainda habitava

sentado no sofá. 

Chorando.

As coisas estão muito diferentes agora

existe até uma irmã na lá fora. 

Alguém com o mesmo sangue 
que o meu, andando por aí


Será que preciso de uma
indicação mais clara
de que as noções daquele mundo que eu
habitara
não existe mais?

O garotinho no sofá chorava para fantasmas, via urubus que o sobrevoavam como  borboletas que trariam boas notícias. 

Notícias que nunca viriam, ou sequer poderiam vir.

Ao secar seus olhos na camiseta percebeu que nem sequer sua mãe estava mais ali chorando com ele. Há muito já havia se levantado e continuado com a vida, e ele ficou ali lambendo a ferida.

Olhou ao redor e percebeu o esmaecimento de tudo que estava a sua volta. Era um mundo pálido e em decaimento. A impressão que ele teve era que todas as coisas se seguravam com toda a força que tinham para manter a impressão. 

Mas assim que seus olhos conseguiram ver claramente - limpo de lágrimas - as coisas viraram pó. Cinzas.

Comentários

  1. e dói demais perceber que essa ausência nunca vai ser preenchida... porque você não é mais criança e seu pai nunca mais vai voltar...

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