não é como se eu fosse amigo de infância




caminhos se cruzam por diversos motivos 
às vezes porque peço, às vezes porque preciso 
às vezes nem quero, aí aceito e não insisto 

não insistir é algo que recentemente aprendi
o que é a insistência senão a teimosia do afeto
quando esta é apenas um pontinho de luz 
naquela estrada de terra que se alonga pra além da vista 
e me direciona no escuro, andando sem temer 
sentindo apenas confiança plena dos que me olham 

e por isso não temo, não temi, não temerei, mas tomarei cuidado
é como se eu estendesse as duas mãos, recebendo esmola,
aceitando o que me entregam, ou despejam, eu indigno de escolha
coloco tudo pra dentro de uma garrafa de vinho e fecho com uma rolha
não é bom, não é agradável, mas eu guardo, e do caderno rasgo uma folha

escrevo, desenho, rabisco com as duas mãos, esquerda e direita 
mão dupla, mão casal, mão uma que lava a mão outra 

será que minha mão esquerda sabe que será limpa porque conhece a mão direita e sabe que esta estará lá por ela 
ou será que o que é intrínseco não se discute e apenas se aceita 
ou será que a mão só lava a outra porque a enxerga como compromisso, parte do pacote, comprometimento 

e assim navego
uma mão que não precisa de outra
já tenho cinco dedos e força para agarrar e soltar o que eu bem entender 
e não uso mais as garras para, enfim, agarrar nenhuma instância 

eu aceito, considero e desfruto dessa distância 
não é como se eu fosse amigo de infância, ou tivesse ânsia 
de viver companheirismo de quem fala a mesma língua 
ou cochicha em outra

eu não agarro mais
eu escarro 
cuspo fora 
jogo longe
busco dentro
não fora
sinto o vento 
e meu sentimento aflora

deixo pra trás um obrigado, 
um até logo
um vai se foder,
um “eu já sabia”
e um beijo pra minha avó
minha mãe e minha tia 

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