Eu, O Neko

  Passou como uma folha morta por Neko, sentiu-se livre para fazer o que quiser, mas tinha medo de viver. Escondia-se atrás da cortina de sua existência e observava entediadamente tudo em sua volta, querendo se aproximar, invejando a vontade de viver do resto do mundo. O isolamento o fazia muito bem, mas a convivência com seu eu era insuportável. Nuvem de desgraças chovia por suas vontades interrompidas estupidamente pelo rei dos corações de vidros estilhaçados. Da janela de sua existência, abrindo apenas metade, observava a chuva. Viver assim era suficiente, mas Neko almejava mais, mesmo que no fundo de sua alma rasgada. Se pudesse, viveria somente desses momentos inspiradores de observador da vida, como se tivesse vindo como estagiário, apenas para aprender a viver, ou aprender como vivem. O branco de sua mente e a escuridão de sua alma o tornam cinza. Seus dias são cinzas.  Suas emoções, em eternidades de espera, queimam e viram cinzas. Vê beleza em tudo. Numa chama de vela! Observa-a atentamente, imaginando-se queimando. Buscador amedrontado de todas as sensações. O contato com seres da mesma espécie o assusta, solidão o nutre. Desfalece no seu prazo vencido na vida, desabafa com a parede, sendo ela sua melhor amiga. Abraça árvores como se sua boa energia dependesse delas, conversa com os objetos, que lhe servem de platéia, uma platéia sem aplauso. E no ultimo trago, traz a experiência da solidão estampada brilhantemente num sorriso misterioso e deliberadamente dissimulado. Seus olhos castanhos sempre quase negros, tamanha a profundidade de sua alma. Tarde, aprendeu a amar, buscaram-no no fundo do seu próprio abismo e dedicaram-se a descobri-lo. Sentia-se intimidado, fanático pela oportunidade de poder esconder a si mesmo, mantê-lo em segredo. Dissimula com humor um ser que aprendeu a ser. Ele curte, às vezes, assim, sua humilde e talvez insignificante passagem pela vida.

Comentários

Postagens mais visitadas