Mãe
Eu acordo, ela não está.
Antes de eu sair, ela chega. Cansada demais, dores demais, preocupação demais.
Viro uma peça a mais na mobília da sala de tv.
Ela só sorri para seu programa favorito, o filho, fica para escanteio.
Ela vira de costas, focada na tv.
Seria genial, se como eu, ela pudesse me ver.
Mas sou invisível. Quem sabe ela acha que sou previsível.
Existe um caminho, mas devo traçá-lo sozinho.
Ela chega, eu saio.
No caminho para a faculdade, algum assunto aleatório ensaio.
"Mãe to aqui", digo, depositando minha mochila no sofá.
"Estou com muito sono", ela diz, de costas.
Se não me prontifico a dizer alguma palavra, o silêncio nos devora.
"Boa noite".
"Hmm-hmm".
Ela chega, eu saio.
E meu ensaio dá errado.
É como pisar numa poça d'água com o sapato furado.
Molho-me, mas você não vê.
Ou escolhe não ver.
De qualquer forma, isso faz meu mundo estremecer.
Você sorri para a tv, mas você não me assiste. Talvez eu não seja interessante, talvez se eu fosse, você me ouvisse.
Mas está cansada demais, presa demais, preocupada demais.
Talvez mais tarde.
Mas quando eu acordo, ela não está.
Quando ela chega, eu saio.
Quando chego, ela dorme.
Talvez eu espere demais por algo insignificante, mas a vida é feita de falador e ouvinte. Mas eu nem falo, nem ouço, apenas a vejo de costas, enquanto assiste TV.
Se eu fosse TV, ela iria querer me ver, mas já que não sou, "tê-vê" fica pra depois do intervalo. E o intervalo é onde eu vivo.
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