andar rumo outras janelas



Mais um carro... mais outro... e outro...

Cada um começa fraco lá debaixo, fortalece conforme ruma adiante, tem seu ápice à minha janela, e num instante, desaparece num som horizonte; fica só o rastro na memória. O som de respingos d'água que rolam veloz do pneu ao chão, e do chão ao pneu, ecoa suave. Não me deixa esquecer que chove, e a voz do asfalto é outra. 

Incessantes, no mesmo instante que me saudam, se despedem, e às vezes, fica um breve silêncio até que o outro venha e reproduza o mesmo canto. Minha cabeça gosta de criar cenários para digerir a dureza da vida, mastigar as inevitáveis dores. A rua é a minha vida. A janela é meu olhar. Cada carro que passa é cada vida que já vivi, pessoa que conheci - e logo me despedi - lugar que trabalhei, história e conceito que estudei, musica que ouvi, memórias que já esqueci...

A chuva é cenário, tudo continua rodando, nada me espera. Só que roda molhado nesse asfalto. O mundo roda e o tempo voa, não consigo lembrar do que comi no mesmo dia semana passada, e na anterior, e na anterior. Conversas que eu tive, olhos que encontraram os meus, sorriso, beijo, afago, ranço... o mundo continua, sempre, sem descanso. 

Abro as cortinas para ver os carros. Branco, preto, branco, cinza, branco, vermelho, preto, cinza. Daqui dez carros nem lembro dos primeiros dez, daqui dez contatos, não sei o nome do primeiro, confundo o terceiro e chamo o quinto pelo nome do oitavo. Carro cinza, carro preto, João, José... 

O inesquecível existe. Não que seja real, necessariamente, mas penso nele dia e noite. De dia é durante o banho e ouvindo música e conforme cozinho meu jantar. De noite é quando fecho os olhos, crio cenários onde só existe um carro que passa. E é nesse carro que eu quero entrar, e com ele andar rumo outras janelas, na chuva ou no sol, ouvindo musica ruim e musica boa. Durmo, e estou dirigindo. Acordo ainda sorrindo....

Comentários

Postagens mais visitadas